domingo, setembro 03, 2006

Projectos


Queria ser

Cabeleireira
Treinei incansavelmente na Tuxa, esgotei-lhe o cabelo e a paciência dos que me educavam
Não fui.
Bailarina
Aprendi durante quatro anos, doíam os joelhos e os pés, guardo as sapatilhas
Não fui.
Agricultora
Mexi na lama, nos bichos, nas raízes das plantas, mergulhei nos açudes compulsivamente. Ainda o faço. Em part-time
Não fui.
Nadadora
Porque o mar é mais forte que (quase) tudo. Depois de muito cloro e treinos diários sentia-me cada vez mais em terra
Não fui.
Cozinheira
Aos primeiros brigadeiros endurecidos enfureci
Não fui.
Médica
Mas passou-me logo quando vi a dor
Não fui.
Arqueóloga
E descobrir literalmente o passado. De repente interessou-me mais o presente
Não fui.
Arquitecta
De olhos nas fachadas, nos pormenores. Apercebi-me das minhas imprecisões e indecisões
Não fui.
Advogada
Fiz curso e tudo. Desisti da ideia, conclui-a demasiado “nãoeu”. Há quem tenha coragem e feitio. Admiro
Não fui.

Então tento ser

Salvadora do mundo(passo a imagem bíblica e megalómana)
De olhos nos jornais, nas pessoas. Descobri que posso simplesmente tentar salvar o meu quotidiano salvando o dos outros e vice versa sem grandes ambições, com pequenas acções.
Tenho dias.
Viajante
De olhos abertos ou fechados. Com dinheiro e aviões, a pé pela cidade onde habito e de bolsos vazios. Conhecer tudo. Ansiosa. Demoradamente.
Ando a tentar...
Escritora
E sou aqui, em segredo, só para vocês. Com mais ou menos jeito. Sou dentro do meu portátil, da minha gaveta, das minhas mãos. Sou desde sempre, pelo menos, cá dentro.

2 comentários:

Anónimo disse...

Na opinião de um cozinheiro e agricultor em part time que depois de concluir o curso de direito e começar a exercer se apercebeu que o advogado não consegue ser um "salvador do mundo" e que, ainda que assim não fosse, a maioria das pessoas não merecem ser salvas, deixa-me dizer-te que admiro a coragem de teres renunciado à profissão.

Urso Polar disse...

Também o Urso cozinha. Também tem o curso de Direito e dá-lhe uso, não como advogado, mas com a convicção que, dia-a-dia, contribui um pouquinho para uma sociedade mais segura e justa. Também nada, após vários anos de aulas e muitos anos de piscina mais ou menos preguiçosa. Também o Urso Polar tem aspirações a escritor. Talvez um dia o consiga ser. O interesse pela arquitectura é muito. A vontade de ser arquitecto nunca existiu.
E nunca o Urso bailou. Ou quis ser médico. Ou teve jeito para cuidar da terra.Cabeleireiro só se fosse manobrador de máquina zero.
O que o Urso sabe é que a sua amiga dos espinhos tem muito, muito mesmo, para dar a quem tem o privilégio de a conhecer.