sexta-feira, dezembro 19, 2014

Não há como dizê-lo melhor

8.316


Achei o Her de Spike Jonze um desperdício: uma distopia engenhosa estragada pelo sentimentalismo e a inabilidade narrativa. Mas fez-me impressão este diálogo entre Joaquin Phoenix e um programa de computador com a voz de Scarlett Johansson, talvez porque reproduzia um outro diálogo (mais humano?) que nunca aconteceu, mas que eu imaginei várias vezes:
THEODORE: Do you talk to someone else while we're talking?
SAMANTHA: Yes.
THEODORE: Are you talking with someone else right now? People, OS [operating systems], whatever...
SAMANTHA: Yeah.
THEODORE: How many others?
SAMANTHA: 8,316.
THEODORE: Are you in love with anybody else?
SAMANTHA: Why do you ask that?
THEODORE: I do not know. Are you?
SAMANTHA: I've been thinking about how to talk to you about this.
THEODORE: How many others?
SAMANTHA: 641.

Fez-me impressão porque não é ficção científica. É o nosso tempo, de igualitarismo afectivo e emoções fugazes e fungíveis. Um tempo que não quero, a que não pertenço, um tempo que detesto.

Pedro Mexia  16/12/2014 at 21:17 in  http://omalparado.blogspot.pt/



segunda-feira, novembro 24, 2014

Miniaturas

FASQUIA
Em tudo aquilo a que se lança, coloca a fasquia alta, cada vez mais alta, altíssima. Tão alta que com o tempo deixa de a ver.

RITUAL
Colhia romãs pela madrugada, antes que explodissem.

JANELA DE OPORTUNIDADE
Estava aberta, a dois passos, escancarada. E o gestor suicida aproveitou-a.

BERLINDES
Depois de alinhadas três pequenas covas na terra seca, esperávamos ansiosos a inconfundível música das esferas.

CAIXA NEGRA
No rescaldo de cada relação falhada, lia de novo todos os e-mails e SMS, à procura do erro humano.


CATEDRAL
Só as gárgulas conhecem todos os segredos de uma cidade.

ASSALTO AO MUSEU
Cúmulo da sofisticação: alguém conseguir roubar, não os quadros de Monet, mas apenas os nenúfares dos quadros de Monet.

CAÇADOR NOCTURNO
Regressa de madrugada, os perdigueiros exaustos, meia dúzia de estrelas à cintura.

ENXOVAL
Para o seu casamento levou tudo o que era suposto (excepto a paixão).

À LA CARTE
Foi sincero: o que ele desejava, para usar a expressão da empregada de mesa, nunca constaria da ementa.


Excertos de “38 miniaturas” do livro EFEITO BORBOLETA E OUTRAS HISTÓRIAS , de José Mário Silva

quinta-feira, outubro 23, 2014

a importância da superfície


“Estranha prevenção essa que valoriza cegamente a profundidade à custa da superfície e que faz com que “superficial” signifique não “de vasta dimensão”, mas sim, de “pouca profundidade”, enquanto “profundo”, significa, ao contrário, “de grande profundidade” e não de “de fraca superfície”. E, no entanto, um sentimento como o amor mede-se bem melhor - caso possa ser medido - pela importância da sua superfície do que pelo seu grau de profundidade". (Sexta-Feira ou os Limbos do Pacífico, Michel Tournier)

o que é (ou um guia compacto de auto ajuda)

É o que parece. Como na política. A vida é, habitualmente, o que parece se sob a inspecção de um olho mais treinado. As pessoas também, quando observadas por um coração já com algumas rugas. O que espanta, o que dói, o que estraga é constatar a incapacidade que há para aceitar factos, feitios, desvarios. Eles estão por aí. São. Para tentarmos a felicidade deve manter-se, na sua presença, na sua constatação, um sentido critico, moldar-se uma opinião consistente. E aceitar. Em seguida ficar ou tomar um outro rumo que pareça mais promissor.

quarta-feira, outubro 15, 2014

Retomando

Vamos então retomar: procurar palavras, poemas, histórias perdidas, divagar, apascentar pensamentos dispersos. O meu 2014 começa hoje.