terça-feira, setembro 25, 2007

Ode a um amor perfeito

Queria dar-te. Quase tudo. Carinho, frases, lugares que desconheces mas que já gostas, presentes de criança… Queria dar-me porque sei que sabes receber, tiras o papel com cuidado e guardas-me aí dentro como se de um precioso tesouro se tratasse.
Queria desenhar em nós horas que são sonhos, sorrisos que são “estórias” de encantar e mãos que têm na ponta dos dedos dias de sol ou de chuva.
Queria que me adivinhasses em cada gesto e que deixasses escrever-te em cada linha.
Queria que morasses em mim como a esperança de encontrar quem me sabe de cor. Queria, por fim, depois da tempestade, ter a coragem de não fazer a mala à pressa e partir, de ficar e dar-te os meus livros, os meus filmes, as minhas memórias, os meus amigos… de ficar a embalar todas as tuas dores e alegrias, adormeceres nos meus braços e eu adormecer-me em ti.

sexta-feira, setembro 21, 2007

Poesia matinal

Tenho o saudável hábito de todas as manhãs, durante a semana, ouvir, quase quase em cima das nove, “Os Sinais” do Fernando Alves na TSF. Ouço-o por tudo, pela preocupação com o mundo, pela voz, pela sensibilidade, com a qual me identifico, e sobretudo porque, quando for grande, gostava muito de escrever como ele. Hoje narrava Fernando a história de um pobre camponês na Baía, Brasil que se deslocara ao Planalto, andando quatro dias sem comer, para que Lula o socorresse da falta de tudo a que sempre fora vetado. Do tudo que seria, para muitos de nós, tão pouca coisa: uns trocados, cuidados de saude, carinho. É esta poesia, uma vezes doce outras cortante, demolidora mas sempre real, é esta pureza matinal que me faz sair de casa, enfrentar uma cidade barulhenta, um dia agitado com um sorriso imenso na alma.

segunda-feira, setembro 17, 2007

Estou na minha fase de indignação (já passa...).


Sócrates está nos EUA. Vai ser recebido uma hora pelo Presidente Bush: 55 minutos na qualidade de líder da Presidência da U.E., 5 minutos na qualidade de Primeiro Ministro de Portugal.

Dirá que Bush é bem vindo a Portugal. Ele que venha. Qualquer grupo terrorista (com métodos não suicidas) informado saberá que aqui compensa fazer um atentado como deve de ser: a coordenação policial apadrinha, o novo Código do Processo Penal abençoa.

quinta-feira, setembro 13, 2007

David


Sobre ele não sei muito. Sei sobre o que defende e porque defende. Leio com atenção desde alguns anos o que diz pelo mundo. Ontem, quando um jornalista lhe perguntava porque tinha vindo a Portugal ele respondeu, como se estivesse a falar com um amigo de sempre, longe de qualquer máquina de marketing, que lhe enviaram dinheiro para a viagem e por essa razão ali estava. Tipo fixe, pensei. Sem preconceito de falar no material, sem discursos elaborados sobre os Direitos Humanos (de quem todos falam mas que poucos vêem) dizendo o que lhe dá na real gana, borrifando-se para os Golias que o esperam em quase todo o lado. Respeito-lhe a “Sua Santidade” porque me parece mesmo um tipo sábio, muito sábio... e fixe.

segunda-feira, setembro 10, 2007

o escritor


Acabei de ver o Lobo Antunes. Entrou e sentou-se quase a meu lado. Partilhámos uma refeição. Senti-o respirar. Apoiou-se na cabeça várias vezes enquanto lia os jornais. Pesa-lhe o mundo. Pesam-lhe as memórias da guerra e todas as outras sobre as quais insistiu escrever. Está cansado o escritor. Está cansado de estar doente, do mundo estar doente, desse estado cosmicamente doentio. Está triste o escritor. Faltam-lhe aquelas palavras que não consegue encontrar, no meio de tantas outras, para o seu, teme, derradeiro livro. Sobreviveu a quase tudo, ao privilégio e à dureza, tem dúvidas se sobrevive a si. Indigna-se como o mundo contínua se, ali dentro, tudo está suspenso, pelo medo, pela incerteza. Tenta compensar o fim fictício do tabaco com mais jornais mas, malogrado esforço, não se consegue esquecer de si. Olha-me de soslaio, meio curioso, totalmente arrogante como lhe é característico. Mede-me para saber se caibo em alguma história, se sou parecida com alguma personagem. Pergunta-me se fumo. Finjo distracção e digo-lhe que não. Não me ajusto à sua narrativa concluiu. Mergulha de novo no mundo e em si e eu acarinho-o com o olhar enquanto pago a conta. O escritor retomou-se.

sexta-feira, setembro 07, 2007

Búzio


sei que nunca viste o oceano,
que nunca olhaste a onda sobre a onda,
que nunca fizeste castelos para o mar ser forte.

mas sei que já viste o coração das coisas,
que já tocaste a ferida nos nossos braços,
que já escreveste para sempre o nome da terra.

por isso te digo que vou levar-te o mar
na concha das minhas mãos, azulíssimo,
para que nele descubras o meu nome
entre os seixos os búzios os rostos que já tive.



Vasco Gato, Um Mover de Mão

quarta-feira, setembro 05, 2007

Humor islandês (leia-se o meu!) ou um brevissimo tratado sobre a proporcionalidade


Numa esplanada numa destas noites de Verão alguém se saiu com esta:


Um anão chega a casa cansado no fim de um dia extenuante de trabalho.

A sua mulher, anã, meio indignada meio enojada diz-lhe:

Eh homem! Vai-te lavar... cheiras a pónei!

segunda-feira, setembro 03, 2007

Puente

Passava eu, neste fim-de-semana, vinda de Espanha, a fronteira do Caia quando me deparo com a placa que dá nome à, quase imperceptível, ponte internacional sobre o rio Caia: Puente José Saramago. Fiquei surpreendida, confesso. O que nos une a Espanha afinal? Paralelismos com o PIB e com políticas sociais não são: Espanha acelerou há muito tempo rumo ao crescimento económico, com “superávits” pelo meio. A monarquia não os impediu de terem políticas progressistas ajustadas à realidade, não os impediu de colonizarem de novo o mundo, o mundo do consumo, mas o mundo. A cultura também não é: Espanha vibra, sem precisar de Berardos, absorvendo passado e presente, atenta à diversidade que também define a arte. O orgulho também não: exacerbado, por vezes, os espanhóis amam o seu país, dão-no a conhecer ao mundo apesar de todas as divisões.
Sempre olhei para a fronteira com desconfiança porque acredito no bom senso popular e porque, como gosto muito de História, sei bem o que tivemos de fazer para existirmos enquanto país. A língua irrita-me ligeiramente. A comida faz-me azia. Nem dos caramelos com pinhão gosto muito.Mas estava eu a passar a puente Saramago para Portugal e lembrei-me da “Jangada de Pedra” que não tinha ponte nenhuma para o resto da Europa, navegava isolada em pleno Atlântico.”Vejo a Ibéria como a criação de um país novo” ecoa a entrevista ao Expresso desta semana. Não sei se por amor, por insanidade, por vingança política ou por tardia convicção. Lutou à sua maneira pela liberdade, escreveu, escreveu, escreveu, nesse escrever criou novas regras de pontuação, deu-nos o Nobel, deu-nos com os pés quando trocou o sol de Lisboa pelas cinzas de Lanzarote, deu-nos a puente e, por causa dela, talvez se tenha esquecido de quem realmente somos.