quarta-feira, setembro 06, 2006

Fotos de Infância




Agora sou eu a escrever nas paredes do meu quarto de brinquedos. Os pais forraram-nas de papel cenário para reinventar alfabetos e desenhar o sol e as flores de cores a fingir.
Agora sou eu a desenhar na cara das bonecas que insistem em me dar, não as forraram com papel cenário e, no meu alfabeto, escrevo na testa e na boca da Tucha “Onde está o meu irmão?”.
Agora sou eu perto de um poço, o meu irmão não veio porque os meus pais não deixaram. Já desenhei um irmão e deram-me outro em forma de urso de peluche, pode ser que sirva!
Agora sou eu a apanhar os animais que o meu pai também desenha mas com a sombra das mãos. Alguns são maus e eu sonho com eles, acordo, dão-me um biberon de leite com chocolate e retomo um sonho de outra cor.
Agora sou eu no fundo das escadas, acho que elas me partiram um braço cansado de estar inteiro, depois do gesso vou jogar ao elástico. Descobri que as minhas escadas tiveram pontaria, não posso escrever os números no teste de matemática!
Agora sou eu e os meus berlindes na praia. Perdem-se na areia, rouba-mos o mar. Peço à mãe que me compre outros.
Agora sou eu no cinema, subo a pique e alcanço o topo da cadeira, grito “Cuidado!” no momento em que a mãe do Bambi ia morrer. Aviso sempre todos os desenhos animados mas descobri a custo que nunca vou falar suficientemente alto para me ouvirem… acho que estão muito longe. Vou guardá-los na parede do meu quarto de brinquedos quando chegar a casa.
Agora sou eu e o gato que me arranha e eu arranho-o também porque sou um gato… mas ele não sabe.
Agora sou eu de novo, acho que o mundo encolheu num ápice, foram poucas as pessoas que ficaram maiores, aprendi o alfabeto dos outros mas até agora ainda não me conseguiram ensinar o caminho que quero aprender.

2 comentários:

Urso Polar disse...

:0)

Anónimo disse...

Um dos textos mais deliciosos que li nos últimos tempos.