terça-feira, outubro 26, 2010

O tempo não é relativo

Continuo a não perceber porque é que algumas pessoas demoram tanto tempo, mas tanto tempo, mas tanto tempo a entender o óbvio.

segunda-feira, outubro 25, 2010

Bússola

No final dos anos 80 um professor deu-me a nota num teste e, logo a seguir, escreveu "tu és a tua bússola". Tudo a vermelho. Aquilo impressionou-me, tanto que me apaixonei em segredo. Ele lia-me e sabia que eu era uma adolescente desorientada (facto inédito, aliás...), sabia quem eu era. Escusado será dizer que, num piscar de olhos, ele foi colocado em outro ponto do país e eu optei por esvaziar a paixão com um idiota qualquer em beijos roubados no pátio do liceu.
Ontem, ao ver "Comer, Orar e Amar" relembrei-me dele. Tinha começado a ler este livro há dois anos. Confesso que acabei mesmo antes de sair de Itália, no primeiro terço. A E. Gilbert é uma rapariga criativa e cheia de imaginação mas a sua condução da narrativa capotou algures numa das perigosas curvas e contracurvas do meu cérebro. Estamos perante um caso em que o filme é muito melhor que o livro. Além do grande impacto nos Media teve um outro, enorme, em mim, lembrando-me o que tanto tenho buscado depois de cruzar ruinas de cidades e cidades em decadência, de meditar todos os dias enquanto caminho para qualquer lado (menos adolescente, sempre desorientada).
"Tu és a tua bússola". Nem é preciso Itália, India, Bali ou Bardem. É só mesmo preciso saber de onde vimos e quem somos. Só assim saberemos para onde vamos.

quinta-feira, outubro 21, 2010

Risco



Ela recebeu o relógio que lhe oferecera. Indiferente, mudou-lhe a correia, arejou-o, deu-lhe brilho. Era um relógio lindo, ficava-lhe bem. A ela. Frequentemente marca a cadência dos seus dias. Elogiam-lhe o pulso, o relógio, o tempo que sabe dominar.
Hoje, enquanto transportava numa caixa livros esquecidos algures, riscou-o, dramaticamente, numa esquina aguçada. Pousou a caixa, sentou-se devagarinho nos degraus e chorou como nunca. O acidente lembrou-lhe que afinal aquele relógio, tão perfeito, tinha sido, durante uns tempos, dele.

No regret

Na infindável saga de descobrir coisas interessantes para ler na imprensa, tropeço, desde a Ler à Caras, em entrevistas a pessoas que se destacam pelos livros que escrevem, por empresas que dirigem, pelo nome que ostentam, pelo baton que combinam, ou pela mamoca que operam. Tropeço, dizia, constantemente em exultos ao não arrependimento, à sua natural qualidade de acharem que NADA do que fizerem nesta vida é merecedor de tal sentimento.
Fico parva e relembro-me estupidamente mortal.
Eu que me arrependo todos os dias, pelo menos uma vez de manhã e outra pela tardinha, e faço questão de explicar aos merecedores essa minha caracteristica rara, a da condição humana.
Imagino que quem tenha vindo ao mundo sem coador no cérebro fique em pânico sempre que leia estes intelectuais, líderes de opinião, famosos, inúteis. Imagino que liberte esse medo nos psiquiatras, nos estádios, no colega de trabalho, na doméstica de serviço, na tromba do conjugue.
Assim segue o mundo, resolvido o passado, perfeito o presente, promissor o futuro.

sexta-feira, outubro 15, 2010

País


Não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país.

Esta frase do Jonh F. Kennedy tornou-se num desafio radiofónico (TSF) para quem quisesse responder ou pura e simplesmente pensar nisso. Pela minha parte acho que posso melhorar o país se acordar de bom humor todos os dias, se usar os transportes públicos, se cumprir o melhor que sei as tarefas públicas que me são destinadas, se estudar, se aprender a conhecer os outros cada vez melhor, se consumir estrategicamente, se insistir na luta contra a burocracia, se der dois dedos de conversa todas as manhãs com o sábio Sr. António do café, se comprar sistematicamente peixe na D. Deolinda, se não usar sacos de plástico, se desenterrar receitas da minha avó paterna, se publicar coisas que possam ajudar outros portugueses a entenderem, se descobrir muito mais coisas sobre a sua História, se for para fora cá dentro, se passar este amor pelo país aos filhos que um dia terei. É o que posso fazer, por enquanto.

quinta-feira, outubro 14, 2010

Parto

A montanha pariu homens resistentes, felizes, sobreviventes entre si. A montanha pariu a esperança que tanto fazia falta ao mundo desanimado e deprimido. A montanha pariu companheirismo, vontade de vencer, engenho e arte. Pariu amor, muito amor todos os dias preenchidos de beijos, abraços, suspiros, promessas, saudades. O melhor de todos nós a quase um kilómetro de profundidade trazido assim tão facilmente à tona num parto absolutamente natural.

segunda-feira, outubro 04, 2010

Não há que chegue

"Um pouco de poesia, Ouriça, um pouco de poesia" repetia enquanto ajudava alguém nas mudanças, esse caos pessoal em movimento escada acima, escada abaixo. Dizia em surdina quando um casal alcoolizado discutia, em stereo, no Metro. "Um pouco, só um pouco mais" refastelada no sofá, refeição ligeira levemente gourmet, copo de vinho, gelado preferido no congelador, preparada para o silêncio de uma noite outonal. No primeito minuto após as 20h o senhor engenheiro e o senhor professor fizeram com que me engasgasse na classe culinária do meu jantar. Esqueci o gelado, fui buscar mais vinho e constatei que há dias que não há poesia que chegue para nos embalar as dores, as constatações, as inevitabilidades, as percentagens.