Nesta estrada preta rolando, luzes e luzes de moldura, uns dormindo outros falando de banalidades com quem os espera, outros ainda alienados do mundo ou de si, não dá para averiguar. Outros ainda, eu, a pensar por onde andarás. Imagino-te num automóvel, despenteado, a meio de uma discussão definitiva, daquelas que nos empurram dilacerados para a frente. Imagino-te na varanda, enrolado numa manta que te vou oferecer, ignoras a temperatura nórdica de Genebra e, sem saber, fazes um cheque-mate a tudo o que não conseguias, até ali, dominar. Imagino-te a caminhar, pelos Pirenéus ou pelo bairro, sem cão, só a caminhar à procura de um pretexto. Caminhas por aí preocupado, livre, descontraído, assustado. Imagino-te a escolher um caminho, entrares naquela rua estreita de Amesterdão, cheia de pequenas lojas, onde vais descobrir inesperados presentes para os que amas. Experimentas uns sapatos que te fazem desistir da ideia de alugar uma bicicleta, as alterações de planos são o teu forte. Agora sei-te numa secretária, cumprimentas com simpatia e timidez, habilidoso a esconder o que importa. Tens uma vista e um gabinete onde não cabe nenhuma das tuas ideias, um pequeno aquário que te liberta da claustrofobia, nenhuma gaveta trancada. Imagino-te temendo o tempo porque ainda não me encontraste, não te podes enrolar na manta nem fazer cheque-mate, nem pedires que embrulhem aquele livro raríssimo descoberto na rua estreita e que tanto quero ler. Meu amor, o tempo urge, bem sei, mas descansa, o nosso é já amanhã, hoje estou por aqui nesta estrada, a meio da noite, novamente a imaginar-te e isso deve querer dizer alguma coisa.