terça-feira, novembro 21, 2006

Sou fã


Como diria o Scolari (que é de momento o guru da sociedade portuguesa e daí esta compulsiva necessidade de o citar) eu sou fã da época natalícia. Não porque tenha filhos, não porque tenha uma família numerosa, não porque tenha uma lareira em casa (com o aquecimento global teria sido um mau investimento), não porque o meu subsídio de natal seja especialmente milionário. Não, nada disso. Gosto e pronto. Desde que me lembro. Comia os chocolates da Regina pendurados na árvore de Natal (“O coelhinho foi com o Pai Natal e com o palhaço no comboio ao circo”), brincava com as personagens do presépio de barro, quase que via o Pai Natal a fugir da chaminé lá de casa depois de ter depositado as minhas tão merecidas prendas (acreditei na existência do senhor até aos seis anos, era muito tansinha) sentia o cheiro (o meu sentido preferido e, para o bem e para o mal, o mais usado) a Natal desde o final de Novembro. O Natal comove-me. Nem tanto pelos bons sentimentos invocados (que tantas vezes não chegam a aparecer), nem pela beleza das ruas de Lisboa, nem pelas prendas desejadas ou pelo reencontro com alguns que não vejo durante todo o ano. Comove-me irracionalmente. Gosto e pronto. Mas apesar disto, agora sou oficialmente uma pessoa crescida (dizem) e devo dizer-vos a verdade: o Natal é uma época absolutamente caótica na qual as regras de convivência social mais elementares são infringidas. A começar desde logo pelo Pai Natal: além de introdução constante em propriedade alheia (prática reiterada) infringe as regras simultaneamente da boa educação (em muitas casas nem sequer é convidado e aparece a horas pouco próprias) e as de uma sociedade justa dando mais aos mais ricos e menos aos mais pobres, safando-o, deste último ponto de vista, a cor do fardamento que, embora tenha origem no capitalismo americano, é factor parcialmente atenuante. Na minha opinião, sendo absolutamente fã (lá está o Scolari) da discrição, prefiro o azulinho da Nivea. Mas gostos...
Depois as pessoas no geral enlouquecem: compram o que não podem, provam aos outros o que não devem, conduzem depressa de mais, alucinam literalmente sem recorrerem a qualquer substancia psicotrópica ( o que, convenhamos, dá para poupar uns trocos).
Depois a família: perguntas constantes do tipo “já compraste a prenda para o teu primo Miguel?” exasperam. Não vejo o primo Miguel vai, por coincidência, fazer um ano, nem sei bem o que ele faz, não sei o que gosta e ainda bem. Se um desconhecido lhe oferecer prendas, isso não é a marca do desodorizante, acho que deve ser Natal.
Depois a televisão: desde o bébé que faz xixi e cócó quase real, até ao arsenal militar de plástico os anúncios de brinquedos vão do absolutamente kitch ao deprimente. Depois, há, claro, o “Natal dos Hospitais”, para o qual não tenho palavras, que já tem anexos como “As mais belas canções de natal” e etc. Os filmes vão algures parar à “Música no Coração”, ao inglês “Espirito de Natal” ou ao “Sozinho em casa parte XII" em que o puto já não é puto e fica todo contente quando se esquecem dele, assim pode ir “mandar uns riscos” na sala à vontade.
Depois a comunicação virtual: durante ano ficas desempregado, divorcias-te e queres cortar os pulsos, és internado, para a necessária lobotomia, ou simplesmente declaras publicamente a tua insanidade. Ninguém quer saber. A quinze dias do Natal entopem o e-mail e o telemóvel de mensagens mais ou menos pirosas de origem duvidosa, desejam-te paz, saúde, felicidade e principalmente muitas prendinhas. Ainda há aquelas mensagens altruístas que falam nos pobrezinhos e nos desamparados deste mundo. É a declaração universal de incoerência.
No meio desta insanidade sazonal ainda me julgo a salvo. Dou prendas modestas e escrevo postais da Unicef a quem amo, evito a televisão, enfeito a casa alegremente, apago as mensagens virtuais sem ler, proíbo-me de entrar em lojas após 20 de Dezembro, tento, enfim, não provar nada a ninguém, esforço-me para que ninguém me prove nada a mim. Deve ser por isso que ainda sou fã (como o Scolari, certamente) e sobrevivo à época natalícia.

3 comentários:

Anónimo disse...

"durante ano ficas desempregado, divorcias-te e queres cortar os pulsos, és internado, para a necessária lobotomia, ou simplesmente declaras publicamente a tua insanidade"
Mas... como é que tu sabes tanto da minha vida???

Eu começo a detestar o Natal, exactamente por sentir que já nada tem de prazer e tudo tem de obrigação e ostentação. Já não é o mesmo que era quando os chocolates eram Regina, pois não?

Anónimo disse...

Pois eu também gosto, especialmente agora que começo a reunir na minha casa a família próxima para a Consoada. Apesar dos momentos deprimentes que nunca consegui evitar, seja pela piada constrangedora, seja pelo desentendimento que crispa o ambiente. No final toda a gente abre as prendas e às duas da manhã ando a distribuir parentes por casa, que isto de ser o condutor tem que se lhe diga.
O dia de Natal costuma corresponder a muita comida em casa da sogra, onde pouco trabalho tenho para além da digestão.
A receita para o sucesso: como tu, não fazer compras a partir de dia 20 de Dezembro (felizmente há o dia do aderente da FNAC a 30.11, para despachar 90% das prendas).

Anónimo disse...

O que eu odeio no Natal são aqueles bonecos vestidos de Pai Natal que tentam a todo o custo assaltar casas pela técnica do "escalonamento".