sábado, novembro 04, 2006

Reencontro


Fechei os olhos por uns momentos. Estava cansada. Não podia mais. Quando os abri já lá não estavas. Entrei em pânico. Nunca tinha entrado em pânico. Procurei-te por todo o lado. Dentro da caixa de madeira, no canto inferior direito e esquerdo da foto natalícia, no nó do cinto do casaco que me tinhas dado. Nada. Nada de ti. Fechei os olhos de novo. Não podia mais, repara. Doíam de tanto fixarem a tua imagem para o caso a voltassem a encontrar não houvesse erro. Desta vez resolvi continuar com eles fechados. Seguir com rapidez um caminho qualquer, ao calhas, como não devia ser meu hábito. Encontrar e perder outros. Encontros e perdas sem significado. De olhos totalmente fechados. Felizmente. Dava por mim feliz, deitada na relva, com a certeza de que o sol ainda assim me aquecia. Passaram-se dias, horas, anos numa confusão entrecortada com sons novos, muitos sons novos. Não parece nada mas lembro-me muito bem de todos aqueles sons novos. Não deves acreditar porque achas que sou mais distraída que o humanamente permissível. Mas acredita. Via-me dentro do romance do Saramago, que odeio, em que todos são cegos mas vêem mais. Imagem bizarra. Desisti, sem querer, de te procurar. Estava ali no meio daquele romance tolo a caminhar aos saltinhos como as crianças da primária. Que querias que fizesse mais? Um dia acordei com o teu cheiro em cima da mesa. Reconheci de imediato. Sucederam-se assim outros dias, horas, anos que passaram sem qualquer intenção de contabilização. Retomei a busca. Devagar. Sem expectativas. Completamente por minha conta. Entretanto perdi uns bilhetes já usados, enrolei uns novelos coloridos, e, nesta coisa de seguir um caminho qualquer, completamente ao calhas, tive mais cuidado. Acho que tive mais cuidado mas outra vez sem querer. Não estava sol naquele dia em que abri os olhos. Não era um dia bonito nem nada que se parecesse. E eu estava ali no sofá a sonhar que via alguma coisa na televisão. Refugio confortável no ócio. Distrai-me e abri os olhos, pronto. Não tenho explicação para muita coisa, bem sabes. Deixei de a buscar. A explicação. O que é mais estranho é que a tua foto estava desde sempre no écran do meu telemóvel e, ao que parece, tinhas acabado de sair para ir buscar um petisco para o jantar. Sorris, pois é. Não tenho nenhuma vergonha de te contar isto. Mesmo agora aqui enroscada no teu colo. Quanto ao resto, não ligues, já disse que não tenho explicação para muita coisa. Deixei de a buscar. A explicação.

2 comentários:

Anónimo disse...

estamos inspiradas!

Urso Polar disse...

A luz de Lisboa reavivou a musa.