Em 2001 escrevi isto numa revista virtual com a qual colaborava. Mantém-se tudo. Mesmo quem não gosta de poesia não lhe consegue resistir. A mim faz-me feliz, pronto!
"As suas páginas são muito mais que um somatório de poemas, são uma verdadeira antologia de um dos nossos maiores poetas contemporâneos. Jorge de Sousa Braga escreve sem ninguém dar por ele, brinca assim com as palavras, molda o quotidiano ao coração e o coração à poesia. Usa verbos simples para descrever como se comportam os sentimentos irrequietos, para nos explicar o nascimento ininterrupto das ideias a cada verso."
Fica um dos meus preferidos.
ADORMECER DO LADO DA PRIMAVERA
Adormecer num colchão de molas do lado da primavera e acordar do lado do verão
Atirar-se da janela de um quinquagésimo andare aterrar intacto na folha de um nenúfar
Passar a cem à hora todos os sinais vermelhose estacar repentinamente no primeiro sinal verde
Engolir um Mirage e vomitar de seguida dois milhões de pássaros pela boca
Fornicar sucessivamente com um elefante-fêmea,uma galinha-da índia um colibri e uma borboleta
Destruir a pontapé todas as palavras do dicionário até chegar à palavra chumbo
Estender a língua vermelha na pista do aeroporto para servir de tapete a uma estrela de Hollywood
Cortar os braços a todos os prisioneiros e gritar "mãos no ar"antes de os passar pelas armas
Derrotar todos os exércitos do nascente e sucumbir ao ser atacado pelas costas por uma folha do outono
Comer à sobremesa apenas maçãs marca Cézanne
Assistir ao próprio enterro ao volante de um BMW cor de cinza e chorar lágrimas verdadeiras
Descobrir uma caravela naufragada há quinhentos anos no fundo dos teus olhos e conseguir trazer para a superfície duas estátuas de Buda além de uma tonelada de pimenta e outra de cravo
Passar cinco anos na solidão de uma cidade de dez milhões de habitantes e exprimentar depois o bulício das Penhas Doiradas
Entrar num supermercado e plantar um limoeiro na secção das vitaminas
Recuar alguns séculos no tempo para apanhar nas mãos a cabeça de Maria Antonieta
Lavar as mãos em sangue antes de assinar o tratado de paz
JORGE DE SOUSA BRAGA