quarta-feira, janeiro 31, 2007

Voar (medo de)

"182 passageiros retidos após aterragem forçada
Os 182 passageiros de um Airbus da SATA Internacional que teve de fazer uma aterragem forçada em Santa Maria, nos Açores, no domingo, devido a uma avaria técnica, deverão chegar a Lisboa no final da tarde desta segunda-feira."

Notícia TSF on-line de 29/01/2006

O que me faz lembrar um texto que escrevi há uns anos, baseado na minha viagem Lisboa-Rio de Janeiro, sobre este meu medo com o qual tenho de viver.

Lá vou eu. Malas,check in, corredores, portas, autocarros ou mangas intermináveis, companheiros de viagem animados e, por isso, inconscientes. Finalmente um lugar, quase sempre por companhia a asa inquieta e um cinto grosso, engenhoso que nos dá a ilusão de segurança, podemos acabar, sim, mas um banco made in Taiwan nos acompanhará na eternidade.
Ao fundo sempre uma hospedeira cada vez menos interessante que, ridícula, se articula numa explicação multilingue de como podemos escapar à eternidade e ao nosso banco. Os passageiros dos panfletos, felizes, escorregam pelas portas de emergência e inspiram pelas máscaras um oxigénio que os converte àquelas seitas que acham morrer um sinónimo de libertação e encontro com um deus qualquer.
Depois do espectáculo que activa o pânico começa tudo a funcionar: motores, tripulação, pista, acção! Conversa-se sobre o que há do outro lado do oceano e fazem-se planos para as muitas horas de voo. Muitas horas de voo… muitas horas de voo…enquanto esta frase ecoa em mim desafiamos a velocidade da luz e tentamos descolar o trem de aterragem de uma terra que ainda faz todo o sentido.
Levantamos, diagonal, as casas, as pessoas, a cidade encolhe de súbito, diagonal, S.O.S., S.O.S.. Relembro todas as orações em que já não acredito.
Piscam as luzes de fim de perigo, tiro o poderoso cinto que me agarrou à vida, insisto em manter-me no lugar imóvel, fria, lívida. Duas ou três lágrimas rolam pela face.
O céu é azul, a paisagem é indiscritível, posso dizer somente que há algumas nuvens mas não precisavam de estar lá em baixo! E fica provado mais uma vez que a Humanidade também pode voar.
Um whisky por favor! Sem gelo! Engulo um só trago como a substituir um soco que imploro. Não chega. Outro! E outro! Um gin! Não, um gin faz mal ao estômago que também voa comigo. Talvez outro whisky. Um sono, um sonho que não lembro. Acordo e voo directamente para o pesadelo do cinto e da voz credível do comandante que informa que perdemos muitos metros de altitude e mais algumas considerações indecifráveis sobre a atmosfera! Até o Adamastor se mudou agora para aqui caramba! Isto não é nenhuma caravela nem eu tenho pretensões epopeicas! A meio deste resmungar caem automática e coordenadamente as máscaras dos panfletos! Não! S.O.S.! S.O.S.! Agora um Xanax! Dois! À frente as crianças divertem-se com óbvia limitação de espaço e as pipocas que não comem aterram em mim ininterruptamente. Ao lado um professor de História que, após trocarmos impressões várias sobre aquela e outras matérias, adormeceu profundamente… sinto-me um pouco culpada por isso. E eu ali meia de ressaca, meia alucinada, artificialmente calma… A medo inclino-me para a ficção de janela , é já terra lá em baixo. Endireito-me, é melhor não espreitar mais porque ainda posso acreditar que aqueles fios azuis são mesmo rios enormes e os pontos avermelhados aglomerados populacionais.
A hospedeira passa mais uma vez e intimida-me com o seu olhar e eu … deixo-me intimidar e não lhe peço mais álcool.
Quase já habituada a tudo isto, depois de duas viagens radicais até àquele espaço, ali mesmo no fundo do corredor, a que chamam casa de banho, de novo a parafernália de sons e luzes a piscar!
O comandante diz que está tudo bem, que nenhuma parte do avião se desintegrou e que o trem de aterragem obedeceu. Vamos iniciar a descida entre as montanhas que circundam a cidade. Já lhes disse que o comandante tem uma voz credível?Outra vez o cinto, o meu corpo não responde, lágrimas nos olhos, S.O.S., diagonal, uma volta, outra, arrisca, a pista atrai como um íman inconsequente. Preparar, apontar…aterramos. O comandante credível acertou com a pista e nós batemos palmas, dentro da nossa cabeça, à pontaria e ao medo que acabou e sair de cena. Quero sair! Quero sair também! Quero beijar esta terra ou qualquer outra porque estou certa que, quando o fazem, é sempre um sinal de alívio. Tenho mesmo de voltar?

PS: vou voar na sexta feira....

sexta-feira, janeiro 26, 2007

As aves loucas e o texto apartir do poema de um amigo:o post non sense


na palma da tua mão

e na palma da tua mão
busco ternura
sem contar meses,
anos,dias,
sem saber dizer
se já te chorei
por inteiro
o suficiente
para não voltar
a perder-te

Vasco Gato


Lembras-te? Adormeci logo nas tuas mãos, mal te conhecia. Era um bom sinal, logo eu que dormia tão mal. O tacto de ti conquistou-me ali mesmo. Despudoradamente. Depois deste-me as mãos à beira do mar, naquele dia de inverno, e disseste que sim a uma pergunta que eu ainda não sabia. Eram as tuas mãos a dizerem ternura, olá, fica, paz, sonha. E eu adormeci na tua linha do amor, profunda, curva e que acaba em bifurcação… dizem os quirólogos que é um bom auspício. Acordei no sobressalto de nos quererem comprar alianças. “Só os anéis de Saturno!” –gracejavas da liberdade que as nossas mãos reivindicavam. Deste-me as mãos e fugimos anos, meses,dias. Juntámos as linhas da vida e tacteámos um filho que ainda não veio.
Lembras-te? E assim fomos felizes até àquela minha lágrima que caiu na tua mão no dia em que disseste que te enganaras. “Foi um mal entendido, ela levava as minhas aulas muito a sério eu eu não resisti.” Agora és tu que não me consegues tocar. Olha-me. Ouves-me? Ainda não te chorei o suficiente… mas sei que posso deixar escapar as tuas mãos por entre os meus dedos.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

O manual deste amor

Título original: Manuale d`Amore
Realização: Giovanni Veronesi

Chegou esta semana aqui, à periferia do mundo. Fui de imediato vê-lo com o intuito de que, com ele, poderia aprender alguma coisa. Após cinco minutos esqueci-me deste tolo objectivo e deixei-me completamente enfeitiçar. Fala do amor despretensiosamente, com humor, com ironia, com dor, mas sobretudo, fala do amor na língua do quotidiano misturado com um absoluto lirismo, que todos deveríamos compreender muito bem.
As estrelas (exceptuando no episódio da traição, no qual a maravilhosa Ornella sofre e se vinga com toda a dignidade de uma mulher do séc. XXI) são os homens, sonhadores, felizes, doridos, frágeis, alienados do e com o amor
O guião gira em torno das quatro fases do amor — paixão, crise, traição e abandono — que são apresentadas em encadeados episódios protagonizados por, também, quatro casais diferentes. No final a história é rematada com uma imensa esperança que insiste em fazer os seus pequenos milagres.

terça-feira, janeiro 23, 2007

As memórias dos anos 80 recuperadas


É um episódio que me relembraram muito recentemente. A propósito dos referendos, do castigo de Deus e das coisas "do mal" achei que fazia sentido reavivar esta memória. Existem coisas que estão (quase) na mesma. Faz falta a Natália no Parlamento. Muita falta.


«O acto sexual é para ter filhos» - disse na Assembleia da República, no dia 3 de Abril de 1982, o então deputado do CDS João Morgado num debate sobre a legalização do aborto.
A resposta de Natália Correia - publicada depois pelo Diário de Lisboa em 5 de Abril desse ano - fez rir todas as bancadas parlamentares, sem excepção, tendo os trabalhos parlamentares sido interrompidos por isso:


Já que o coito - diz Morgado -
tem como fim cristalino,

preciso e imaculado
fazer menina ou menino
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração! -
uma vez. E se a função
faz o órgão - diz o ditado -
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.

( Natália Correia - 3 de Abril de 1982 )

domingo, janeiro 21, 2007

Eles falam, falam...

Requer-se a reabertura de processos arquivados (vj. Apito Dourado) e descodificam-se palavras como “fruta” e “café com leite”, os melhores advogados do país são comprados para contestarem formalidades processuais que põem em causa interesses superiores (vj, Operação Furacão), sentenças em tribunais do país real sobre caso da vida agitam os portugueses (vj. Tribunal de Torres Novas sobre o caso Esmeralda). Deve-se, por certo, à conjugação astral de 2007 toda esta discussão sobre a Justiça, que pode ser cega, mas já não surda ou muda. E com segredo(s) . Finalmente em Portugal o povo fala sobre Ela. Em formato de desconhecimento absoluto, senso comum ou alarmismo social, mas fala-se. Fala o coração, a razão, a política a técnica, mas fala-se. Enchem-se parangonas de jornais, entrevistam-se interessados em prime time, toma-se um café na esquina e o Sr. Álvaro pergunta o que achamos sobre “essa corja de malvados que deviam ser todos presos, mas era”. As minhas memórias dos anos 80 nesta matéria são remotas. Mas imaginem agora um caso Camarate, a diferença que seria. Apareceriam na net as perícias confidenciais ao avião, talvez no Jornal da TVI aparecesse também um homem, com imagem e voz distorcida, confessando a co-autoria do crime. Falar-se-ia do estado da vida conjugal dos falecidos à altura do acidente. Chegar-se-ia a julgamento, tinha de haver um julgamento, arrastado por longos meses, com manifestações populares diversas seguidas de um profundo sentimento de frustração da opinião pública. Um movimento cívico, liderado por ilustres figuras da nossa sociedade, assinaria uma petição sobre temas variados desde as normas de segurança em aeroportos até a questões relacionadas com as regras do Direito das Sucessões nas uniões de facto. E os mais ou menos viperinos-verborreicos líderes de opinião lá estariam ganhando mais uns cobres. Conseguem imaginar? Mas assim é a democracia a amadurecer. Lentamente.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Lutando contra moinhos de vento

Acho que ainda não contei aqui esta.

Cenário: eu e uma testemunha, ainda viva, na Livraria Bertrand na grande superfície (sim, porque há!) de Ponta Delgada.

Eu: Boa noite, gostaria de saber se já chegou a nova edição do D. Quixote.
A empregada (ar perplexo e tom rígido): Sim, mas qual é o livro?
Eu: D. Quixote, aquela edição encadernada.
A empregada (ar mais perplexo, tom superior e já impaciente): Sim, está bem. Isso é a editora, eu quero saber é o nome do livro!

Claro que explicar que obra é e quem foi o Cervantes a uma senhora que trabalha naquela livraria pareceu-me pouco adequado. Disse-lhe que não sabia o título e saí de imediato com dúvidas entre o rir, o chorar e o... insultar. Até hoje ainda não me consegui decidir.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Dos meus amores VIII


Os amigos

Esses estranhos que nós amamos
e nos amam
olhamos para eles e são sempre
adolescentes, assustados e sós
sem nenhum sentido prático
sem grande noção da ameaça ou da renúncia
que sobre a luz incide
descuidados e intensos no seu exagero
de temporalidade pura

Um dia acordamos tristes da sua tristeza
pois o fortuito significado dos campos
explica por outras palavras
aquilo que tornava os olhos incomparáveis

Mas a impressão maior é a da alegria
de uma maneira que nem se consegue
e por isso ténue, misteriosa:
talvez seja assim todo o amor.
José Tolentino Mendonça

terça-feira, janeiro 16, 2007

Ode à meteorologia açoreana

A explicação científica:
"As chuvas regularmente distribuídas ao longo do ano mas são particularmente abundantes no Outono e no Inverno (quando o Anticiclone dos Açores desce mais em latitude deixando o arquipélago sob a influência das perturbações da frente polar). "
A minha constatação:
Sintomas:Acordo pela manhã, sol radioso. Saio para almoçar, chuva "molha tolos". Ao fim da tarde, nublado. Saio para correr, céu estrelado. A meio do percurso apanho uma molha. Chego a casa, céu estrelado. Acordo de noite, vento forte e chuva torrencial.
Diagnóstico: esta terra sofre de esquizófrenia metereológica.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Dos meus amores VII


Acender o forno. Colheres, facas, garfos, triturador, tábuas, medidores em desalinho. Abro, fecho, abro, fecho, abro, esqueço aberto o frigorífico. As ervas, as especiarias, o sal q.b. A batedeira ensurdecedora. Já em banho-maria. As claras fazendo castelos. Amasso a massa que resiste ao amasso. Ferver. Salpicar. Entornar.100 gramas. ¼ de litro. As cores diluem-se, surgem outras, surpreendentes. Os cheiros intensos que apetece comer. A calma de toda esta confusão. O medo de nada correr bem. A certeza de que não se deve seguir esta parte da receita. As mãos frenéticas, lambuzadas. O avental cheio de animais felizes por ali estarem. O barulho das travessas que se acotovelam para serem a prima donna do dia. Não, não esqueci. Ah! Esqueci. Não faz mal, invento. Provo. Huummm! Argh! Mais sal, mais água, mais farinha, diluir, engrossar, mais limão, mais manjericão, mais tempo, mais quente. Forno já. Frigorífico agora. O descanso debruçada sobre a mesa da cozinha. A escolha de um bom vinho. A felicidade, à primeira garfada, nos olhos das cobaias-amigas do costume...
Eu cozinho. Cada vez mais.

sábado, janeiro 13, 2007

A luta


Há um imenso rol de coisas que me preocupam. Uma elas são as causas perdidas, outra são as causas absurdas, outra ainda são as causas desconhecidas e por fim são as causas que só causam ódio e dor e não servem para absolutamente mais nada. E você luta pelo quê? Pagar dividas, livrar-se dele, trabalhar no que se gosta, trabalhar simplesmente, encontrar o medicamento para as cólicas do puto, passar à frente do camião na longa fila de trânsito, impor uma lógica de arrumação de arquivo, para apanhar o autocarro das 18.00h, por quilos a mais ou a menos, por carros, empregos, mulheres, filhos, casas melhores, por ser melhor. Há quem lute pela sobrevivência de espécies na floresta amazónica, há quem lute pelos “ismos” estruturais de organização de uma sociedade que tanto sangue já fizeram correr nos últimos dois séculos, há quem queira a independência de regiões que deveriam ser países, há quem queira proclamar como absolutamente certa a sua religião, há quem combata doenças que podiam dizimar a nossa espécie, há quem lute pela própria vida. Por isto, por tudo isto se luta.
Há quem coloque bombas e exploda outros e a si próprio, há quem denuncie, há quem mate quem diz amar, há quem pense, pense muito, há quem corra até a ansiedade não lhe caber mais no peito, há quem se venda e quem compre, há quem pegue em armas, há quem plante, há quem ore, há quem se promova, há quem derrube, há quem prenda e castigue, há quem ajude a resolver, a crescer, a alimentar, a atravessar. Há quem faça zapping no Mundo e escreva ou pinte ou filme.
Muitos errarão na sua causa, na sua luta, dando a outros novas causas para, contra eles, lutarem. Outros acertarão e conquistarão, depois de muita frustração, passo a passo, o seu lugar no meio de tudo isto. Porque há quem entenda que os meios não são só mais importantes que os fins como os determinam, transformam, solidificam. Por isso vamos todos sobrevivendo. E você luta pelo quê?

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Descoberta


Acabei de descobrir que tenho ainda prendas (adoro!) por receber no "Nuerte". Não sei o que é, mas se é deles vou adorar de certeza!
A foto obedece a 60% das regras da Criminalística. Não "tá" mal.

De regresso...


... a um (espero) melhor ano! E ao trabalho. E a um encontro no passado dia 3 com mais um ano. Adoro fazer anos, sinto-me no estrelato por um dia (vou escrever sobre isso um dia destes). O meu dia. Hoje, contudo, já não é o meu dia, é o dia do voo de regresso logo pela madrugada...