domingo, novembro 17, 2013

Greve Geral às Segundas-Feiras


Greve geral
 
Logo de manhã apanho o autocarro para as nuvens
no largo que fica ao fundo da minha rua, com uma
árvore de cada lado da e corvos amarelos
na ponta de cada ramo. Quando entro, o motorista
pede-me o bilhete; mas não o encontro nos bolsos,
nem na carteira, nem no meio de todos os papéis
que levo nas mãos, e ele manda-me sair. "Como
poderei chegar às nuvens?", pergunto. E ele aponta
para o banco da paragem, onde está um grupo
de musas que passaram as noites nos bares, e
cabeceiam com o sono de terem andado de um
lado para o outro, sem descanso. "Sabem onde
se compra um bilhete para as nuvens?", pergunto.
E elas apontam para o guiché que continua fechado.
"É por isso que os autocarros saem vazios daqui"
diz uma delas na língua do Olimpo. Sento-me
ao seu lado, e escrevo um poema sem saber que é
ela que o está a ditar. Mas ela tirou-me
o poema das mãos e passou-o às amigas: "A qual
de vocês se destina este poema?" E cada uma delas
olhava para o lado, como se não tivesse nada a ver
com aquilo. Quando acordei estava sozinho,
as musas tinham-me levado o poema, e no vidro
da paragem tinham posto o aviso: "Não há
autocarros para as nuvens: dia de greve".
 
Nuno Júdice in Navegação de acaso, 2013.

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