São nove horas. Começou o expediente da praia. Está tudo alinhado para receber os respectivos funcionários que só costumam aqui trabalhar zelosamente nos meses de Julho e de Agosto. Os mais empreendedores arriscam Junho e Setembro. Ele chega confiante e carregado com uma imensa geleira da cor do mar. Livra-se da t-shirt e dos chinelos e faz alguns exercícios que não sabe serem alongamentos. Vai à babuja ver as vistas e agora, imóvel na espreguiçadeira, lê o Correio da Manhã. Chega ela apascentando os dois filhos, um pré adolescente e uma pispineta de uns seis anos cheia de respostas e de perguntas que ainda não tem coragem de colocar. O filho, entediado, ouve música a manhã toda no mpqualquercoisa e a miúda encarna uma espécie de Hello Kitty veraneante. A mãe, sempre em silêncio, passa creme protector e dá comida ciclicamente a todos. Sentada observa os biquinis das mulheres mais novas e o comportamento das outras esposas. Sossega as suas inseguranças e volta ao ciclo da alimentação. A meio da manhã chegam os sogros. Mais morenos, mais gordos, mais faladores. Estão dispostos a aproveitar todos os minutos que lhe restam. Trocam ideias acerca da hipótese do submarino americano ter contaminado as águas das praias de Lisboa, dos jogos particulares do futebol de início de época, da música no bar dos “bifes” que estava mais alta que nunca e constatam que as sardinhas de ontem que não eram grande coisa. As mulheres não falam entre si. Entretêm-se a ignorarem-se mutuamente e a zelar pela sua prole. Entretanto é meio dia e meio e o expediente da praia interrompe-se. Há entremeada para assar na varanda da casa alugada sem vista para o mar. Há um movimento de saída pela ordem inversa. Vão os sogros à frente preparar o petisco, a mulher certifica-se que está tudo vestido e arrumado, filhos devidamente contrariados com o horário daquele expediente. Carregada, faz-se lentamente ao caminho mas tropeça nas bolas de Berlim do vendedor moreno de voz doce, com quem tem fantasias diárias, e não resiste. Cinco sem creme. Esquece-se sempre de comprar uma para a sogra. Ele fica ainda na espreguiçadeira a acabar de ler a secção de desporto. Controla as horas, dá um último mergulho, exibe a pouca forma que lhe vai restando e aproveita a meia hora que se segue de bronze algarvio. Sonha com a entremeada, as minis e a soneca silenciosa até às dezasseis, hora em que o expediente da praia recomeça. Tem a certeza que a felicidade é isto, cada um cumprir escrupulosamente as suas obrigações, a comida, o senso comum, as sonecas, o futebol, o silêncio da mulher, a rebeldia controlada das crianças, os conselhos ultrapassados dos pais sobre o seu casamento, o encontro com os casais amigos para a caracolada e troca de galhardetes. Tudo o resto não importa, tudo o resto se existe é tão longínquo como aquela linha do horizonte em que vê passar diariamente barcos com enormes velas ao vento.
terça-feira, julho 23, 2013
terça-feira, julho 16, 2013
caramba
De um lado esta parede que me impede de escrever. Cheia de frechas e de dúvidas, de inseguranças e de incertezas. Um ponto de interrogação a escaldar que me obrigo a esticar, que me leva, com muito esforço, ao espanto de ainda conseguir, de querer ainda conseguir. De um outro lado um prado, imenso. O verde como eu gosto, semeado de papoilas. Ar demasiado puro para as minhas interrogações, extensão demasiado vasta para a minha endurance. Ao fundo um bosque que tem de ser cruzado, ao fundo do fundo, na vertigem da falésia, um mar já cansado de me esperar. No meio eu, sozinha, pela primeira vez sem pensar no rumo a tomar, concentrada no vento, na maneira de restaurar a parede, concentrada na ponta do lápis que daqui a nada se vai partir e eu, caramba, acho que emprestei o afia a alguém.
Défice
Ontem, num breve olhar pelo Telejornal - que jurei tão cedo não assistir integralmente - encontro uma mãe eufórica quando, perante as pautas do seu filho, descobre as notas dos exames nacionais de português e matemática do 9º ano. De imediato, e em directo, liga-lhe para o informar da boa nova: "tiveste 3 a matemática e 2 a português!" E, espante-se, seguiram-se uns eufóricos "Parabéns!!!!!! Estás feliz? Passaste!" Gelei. Por momentos pensei que a escala clássica de classificação tinha sido alterada de 1 a 5 para de 1 a 3. Depois percebi que nada mudara, só as expectativas, a exigência, os parâmetros. Percebi que nada mudara, só mesmo o principal que vem traçando um futuro com o maior défice da nossa democracia, aquele que passa ao lado da troika e dos partidos, aquele sobre o qual ninguém impõe salvação nacional, aquele que nos levará à verdadeira falência no Século XXI. Bem vindos à era do défice na educação.
terça-feira, julho 02, 2013
eterno
poema sobre o amor eterno
inventaram um amor eterno. trouxeram-no em braços para o meio das pessoas e ali ficou, à espera que lhe falassem. mas ninguém entendeu a necessidade de sedução. pouco a pouco, as pessoas voltaram a casa convictas de que seria falso alarme, e o amor eterno tombou no chão. não estava desesperado, nada do que é eterno tem pressa, estava só surpreso. um dia, do outro lado da vida, trouxeram um animal de duzentos metros e mil bocas e, por ocupar muito espaço, o amor eterno deslizou para fora da praça. ficou muito discreto, algo sujo. foi como um louco o viu e acreditou nas suas intenções. carregou-o para dentro do seu coração, fugindo no exacto momento em que o animal de duzentos metros e mil bocas se preparava para o devorar.
Valter Hugo Mãe
segunda-feira, julho 01, 2013
E se...
João Vaz de Carvalho
Este fim de semana, fugindo ao trabalho e ao calor, estacionei no sofá e descobri, no canal Q, uma série de humor maravilhosa que só ouvira falar a propósito dos Emmys de 2012: What if (original Wat als). O melhor humor europeu fundado em hipóteses tão absurdas que poderiam ser reais. A não perder de vista.
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