Cai a tua palavra na solidão como um ramo de oliveira
na paz. Eu não sabia
que a tua voz chegaria com as estrelas.
És o meu grito de combate
contra a morte.
Agora uma árvore cresce onde o esquecimento
fecha os olhos.
Tu.
Eduardo Cote Lamus in Um país que sonha - 100 anos de poesia colombiana, Assirio&Alvim
Fico sentada aqui, em casa, sentada por aí a ler e a ouvir ecos deste novo sebastianismo com nome suburbano, essa surpresa que deifica, um homem ultraperiférico pela naturalidade, pela classe social, pela linhagem. Um homem ultraperiférico que pela vontade, pelo trabalho se transforma, em quase duas décadas, no Homem Central. O que tem tudo e pode tudo, o predestinado que afastará pragas e maus-olhados marcando, sozinho, golos atrás de golos, chutando as nossas frustrações bem para o fundo da baliza, dúvidas ao poste, baixa auto estima fora de jogo. Se falhar, falha sozinho, a admissibilidade do erro humano não cabe nos super poderes atribuídos, se falhar será lembrado pela ostentação, pelo gel pastoso, pela fragilidade das relações, pela família XXL, pelo fiasco, pela traição. Ninguém tão cedo lhe segurará o manto, lhe arreará o cavalo, ninguém, tão cedo, o deixará entrar, mesmo que ele quisesse, neste denso banco de nevoeiro que é, por estes dias, o nosso pobre e alucinado país.
Passeava no Chiado quando fui atraída por um enorme cartaz, que assumia exclusividade numa montra da Mac, anunciado um mesmo gadget na sua mais recente versão. Nele uma foto artística do produto e uma só palavra, Resolucionário. E ali estava eu, reflectida num vidro a pensar que é disso mesmo que precisamos: mais do que uma revolução que tente resolver, resoluções que de facto revolucionem para que retomemos de um outro ponto qualquer um percurso evolutivo por ora abandonado.
Nota: lembrei-me também que resolucionário poderia remeter, tal como oceanário, para um mar de resoluções mas antes que me afogasse em ideias idiotas agarrei-me à frescura de um outro pensamento, mesmo ao virar da esquina, no Santini.
O meu karma lento só permitiu que visse o último episódio do "House" ontem. Não vou dissertar sobre as oito temporadas da série - que aliás não acompanhei com euforia - ou sobre a irresistível atracção pelo abismo que me desperta a personagem central. Só uma palavra sobre o último minuto em que House e a sua alma gémea, o incrível amigo com a morte datada, iniciam de mota a concretização de um sonho com o tempo que lhes resta. Ideia simples, batida mas, insistentemente, esquecida. Sonhar acordado, concretizar “ses”, abandonar “mas”, exercer a liberdade em grande estilo ainda que só no intervalo da manhã para o café.
que o meu coração esteja sempre aberto às pequenas
aves que são os segredos da vida
o que quer que cantem é melhor do que conhecer
e se os homens não as ouvem são velhos
que o meu pensamento caminhe pelo faminto
e destemido e sedento e servil
e mesmo que seja domingo que eu me engane
pois sempre que os homens têm razão não são jovens
e que eu não faça nada de útil
e te ame muito mais do que verdadeiramente
nunca houve ninguém tão louco que não conseguisse
chamar a si todo o céu com um sorriso
Uns destes finais de dia, cansada e a precisar de por ordem cá dentro, fui andar no eléctrico 28. É um hábito antigo - it runs in the family - e serve para este fim e para reencontros felizes, mas isso é uma outra história. Poucos turistas, pessoas que se conhecem desde sempre, vizinhas que trocam raminhos de salsa, solitários da minha geração que reciclam uma Lisboa até então abandonada, um ou dois putos empoleirados na traseira desafiando até o tranquilo caos de curvas e contra-curvas acidentadas. Janelas abertas, chiar desafinado, lua cheia reflectida no Tejo.Da Graça aos Prazeres, dos Prazeres à Graça, assim, como tudo deveria ser na nossa vida.
Cruzei-me com esta frase lá para as bandas do Cais do Sodré num destes dias. Gosto de fotografar arte efémera e por isso não resisti. Não resisti também a constatar o evidente: vivemos na época da mais absoluta negação do método cartesiano porque ora se pensamos não existimos ora se existimos é conveniente que não pensemos.