quinta-feira, novembro 07, 2013

Afogada em papéis

Reúno finalmente todos os meus papéis. Debaixo de água. Tenho esta dificuldade em facilitar a minha vida. Não é genético. Não é masoquismo. Não é possível. Reúno aqui os meus papéis na baía mais tranquila que encontrei. Anémonas iluminam as estrofes, as metáforas, os espantos. Desfaz-se a prosa poética na corrente mais ao fundo. Um cardume de salemas embate de frente no meu sonho de publicar. Aqui ninguém se magoa, tudo flui. Prossigo com as longas barbatanas azuis para uma rocha vizinha onde, espantados, dois olhos de qualquer coisa que por ali habita acham-me a mais pura ficção científica. Descanso, reescrevo, encurto, admiro, desprezo. As algas empanturram-se desta sopa de letras. Linha a linha segue, já um pouco cansada, a minha escrita reunida e diluída. Subitamente, a sintaxe medíocre deixa-nos - a mim e à garrafa - sem ar. Lá em cima o casco do barco, o sol. Aqui em baixo, já um pouco arroxeada, eu reunindo finalmente os meus papéis.

1 comentário:

Filomena Chiaradia disse...

"passos lentos
escrevem
VONTADE DE CHEGAR
precisa andar
como quem já chegou
chega de chegar
depressa
é muito devagar"
(Paulo Leminski)
"eu reunindo finalmente os meus papéis" (eles agradecem!!! -e nós também!;-))