Escrevo-te de novo da selva. Numa clareira de tempo em que o gerador, e tudo o mais que permite escrever e-mails, funciona. Ainda não vi cobras nem chimpazés nem outras coisas que me lembro quando criança no Zimbabué. Só vi árvores imensas, densas, sem idade. Só vi cursos de água, tímidos ou dominando aldeias e suas tribos, só vi casas em ruinas, pagnes coloridos amarrando crianças às suas mães que trabalham incessantemente, só vi pés descalços, armas enferrujadas, estradas, acampamentos, vidas, tudo enlameado. Já quase me esqueci do deserto e da maresia, este cheiro húmido afoga-me a alma. Na verdade, acho que criei memórias falsas na minha infância, tudo me parece muito diferente do que sempre te descrevi com um entusiasmo, constato agora, exacerbado. Escrevo-te, contudo, porque há uma certeza surpreendente que me invadiu hoje: ias gostar muito mais disto que eu. Ias entender a linguagem gestual dos carregadores, trocarias cumplicidades fundadas num passado que não poderiam ter em comum. Dar-lhe-ias a nossa Coca-cola. Alguns homens evitariam falar com os teus olhos, por respeito ou por desprezo, mas isso nunca seria um entrave nas negociações, nas obrigações, nos pequenos gestos do quotidiano. Arranjarias outra maneira. Imagino que aprenderias puericultura indígena e provarias condimentos da culinária local para os quais ninguém ainda teve coragem. Talvez nós aqui, cheios de educação, de experiência internacional e de espirito colonialista devidamente amordaçado pela antropologia contemporânea, saibamos melhor lidar com jipes atolados, com computadores exaustos de calor e humidade, com répteis ou com os insectos contra os quais fomos (e não fomos) vacinados. Mas para lidar com as pessoas... Faltas cá tu.
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