terça-feira, abril 24, 2012

Até que a morte os separe


José Mascarenhas acordara com o raiar do sol ao som do batuque de uma pequena obra que decorria na sua casa. Ao seu lado, ainda sonhando,Olinda, sua mulher, vinte e cinco anos mais nova, gabada por todo o Recife pela graciosidade e beleza.
Orgulhoso das suas escolhas e dos seus negócios, cumpria a rotina matinal, criados atarefados, indumentária apropriada, impecável, pequeno-almoço completo, sereno e em família.
O dia seria um novo desafio. Cuidar dos seus negócios, administrar o fluxo de escravos para que a produção não decresça, passear o seu sucesso pelos sítios emblemáticos da cidade onde se reúne, em alguns fins de tarde, a mais fina elite.
Hoje era um dia especial. Um jantar meticulosamente organizado, família e negócios, numa mesa farta e civilizada, um evento a não esquecer.
Olinda apresentou-se mais bonita que nunca. O seu vestido azul-cobalto estava em todo o lado naquele jantar. A noite, menos quente que o habitual, conduzia as conversas recheadas de planos futuros. Servido o último prato, José pede a atenção de todos os convidados e inicia o peculiar relato da traição da sua mulher com um jovem oficial do exército. Olinda, chora, muda e seu vestido azul-cobalto dilui-se na tristeza, agora à vista de todos, que era a sua vida desde o dia que fora obrigada a casar com aquele homem. No final do frio relato, José sugere que todos passem à sala contígua onde tinha sido, por sua ordem, aberto um enorme rasgo numa das grossas paredes. Olinda sabia que a sua hora chegara, fechou os olhos, cerrou a alma e entrou para aquele buraco onde, de seguida, um escravo a emparedaria, repondo a estética impoluta daquela sala de música. No caminho para o alpendre, onde seria, em seguida, servido o melhor licor caseiro aos convidados, José começou a sonhar com Rosa, a filha mais nova, casadoira, de um dos seus melhores amigos.

Nota: “As emparedadas da Rua Nova “ é uma verdade histórica incontornável. Em algumas demolições daquela rua abastada de Recife, Brasil  foram encontradas várias ossadas de mulheres adúlteras, incorporadas, assim literalmente, há dois, três séculos nas propriedades dos seus maridos.