Nas minhas leituras deparei-me com uma passagem interessante acerca do amor e da paixão e da (paradoxal?) violência que eles contêm (Neil Gaiman):
"Estiveste alguma vez apaixonado? É horrivel não é? Fica-se tão vulnerável. Ficas com o peito e o coração abertos a outra pessoa que pode entrar dentro de ti e revolver-te por dentro. Constróis todas essas defesas, constróis toda uma armadura que te cobre de alto a baixo para que ninguém te possa ferir, e depois uma pessoa estúpida atravessa-se na tua estúpida vida... Dás-lhe um bocado de ti. Não to pediram. Fizeram um dia uma estupidez qualquer, como beijar-te ou sorrir-te, e a tua vida deixou daí em diante de ser tua. O amor faz reféns. Entra dentro de ti. Come-te e deixa-te a chorar no escuro, e é assim que uma simples frase do tipo "talvez devêssemos só amigos" se transforma num estilhaço de vidro que vai direito ao coração. Dói. Não é só imaginação. Não é só mental. É uma dor na alma, uma dor real que invade e te rasga e te parte. Odeio o amor."
É um discurso duro mas comum. Há muito azedume nesta verdade que me parece estranha. Aqui entram a peneira e a contabilidade. A peneira porque, devagar, aprendemos a distinguir amor de hedonismo, de medo da solidão, de desejo pontual, de projecção idilica, de cenário propício a representações sociais. A contabilidade porque, no compto do deve e do haver, sobra sempre qualquer coisa boa - ainda que só uma coisa boa - para nos fazer relembrar que há outras pessoas por aí, bondosas, encantadoras que têm a suprema pretensão de saber o que é o amor e isso inabilita-as, em definitivo, para o odiarem.
2 comentários:
ADOREI!
Neil Gaiman é um escritor que adoro. Li o Neverwhere, Stardust, American Gods, The Graveyard Book. Revejo um pouco das minhas poucas experiências com o amor, antes de encontrar O Tal, neste texto. Já o tinha lido em inglês e tocou-me muito.
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