A Doris Lessing
Nesse dia já terei passado tanto que o meu cabelo desistiu de toda a cor, que a minha pele secou, já terei visto o suficiente para manter o brilho no olhar, para, num ápice, distinguir, certeira, o essencial do acessório. Então virei das compras como em qualquer outra manhã, virei de comprar coisas, o prosaico da vida, pão, iogurtes, é doce a fruta não é, arranje-me aí um pargo bem fresco, especiarias, flores, sempre flores. Dizia, virei das compras, regresso à minha casa, discreta, bonita, bem cuidada, talvez já vazia, com um jardim onde me demoro nos gatos e nas roseiras, e aí estavam eles, acotovelam-se, às dezenas, sem face, objectivas e microfones em burburinho sintético. Do táxi assusto-me, não reconheço a minha rua, a minha casa. Que quererão? Alguma catástrofe, alguma estrela com um escândalo? Só os vejo a eles. Flashes pela manhã, virão direitos a mim, cercam o seu alvo. Perguntarei atónita, naquela invasão inusitada do meu mundo, o que fotografam? Porque estão aqui? E eles, saboreando a notícia em primeira mão, engasgados de audiências dirão ganhou o Nobel daLiteratura! Penso devagarinho N-O-B-E-L-D-A-L-I-T-E-R-A-T-U-R-A-G-A-N-H-E-I. Vejo-me na infância, tomo-me conta, como sempre, junto ao mar depois de uma tempestade. Uno ponto por ponto todos os momentos felizes, foram tantos, não tinha dado conta, relevo todas as dores que os provocaram. Pouso os sacos das compras. Não respiro e digo Meu Deus como se nele acreditasse, chamando-o para que venha testemunhar a bizarria, o inédito do momento. Meu Deus! Retomo o fôlego para todo o reconhecimento do mundo que nunca de mim tinha ouvido falar, entro em casa, acondiciono o peixe, a fruta e os vegetais, sento-me no sofá, olho pela janela entreaberta. Eles esperam-me para todos os discursos inteligentes. Eu aqui, ainda invocando o Seu Santo Nome, desta feita não em vão, eu aqui, um Nobel da Literatura, gelada, suspensa, feliz, um Nobel da Literatura e sem, pela primeira vez, uma única palavra.
Nesse dia já terei passado tanto que o meu cabelo desistiu de toda a cor, que a minha pele secou, já terei visto o suficiente para manter o brilho no olhar, para, num ápice, distinguir, certeira, o essencial do acessório. Então virei das compras como em qualquer outra manhã, virei de comprar coisas, o prosaico da vida, pão, iogurtes, é doce a fruta não é, arranje-me aí um pargo bem fresco, especiarias, flores, sempre flores. Dizia, virei das compras, regresso à minha casa, discreta, bonita, bem cuidada, talvez já vazia, com um jardim onde me demoro nos gatos e nas roseiras, e aí estavam eles, acotovelam-se, às dezenas, sem face, objectivas e microfones em burburinho sintético. Do táxi assusto-me, não reconheço a minha rua, a minha casa. Que quererão? Alguma catástrofe, alguma estrela com um escândalo? Só os vejo a eles. Flashes pela manhã, virão direitos a mim, cercam o seu alvo. Perguntarei atónita, naquela invasão inusitada do meu mundo, o que fotografam? Porque estão aqui? E eles, saboreando a notícia em primeira mão, engasgados de audiências dirão ganhou o Nobel daLiteratura! Penso devagarinho N-O-B-E-L-D-A-L-I-T-E-R-A-T-U-R-A-G-A-N-H-E-I. Vejo-me na infância, tomo-me conta, como sempre, junto ao mar depois de uma tempestade. Uno ponto por ponto todos os momentos felizes, foram tantos, não tinha dado conta, relevo todas as dores que os provocaram. Pouso os sacos das compras. Não respiro e digo Meu Deus como se nele acreditasse, chamando-o para que venha testemunhar a bizarria, o inédito do momento. Meu Deus! Retomo o fôlego para todo o reconhecimento do mundo que nunca de mim tinha ouvido falar, entro em casa, acondiciono o peixe, a fruta e os vegetais, sento-me no sofá, olho pela janela entreaberta. Eles esperam-me para todos os discursos inteligentes. Eu aqui, ainda invocando o Seu Santo Nome, desta feita não em vão, eu aqui, um Nobel da Literatura, gelada, suspensa, feliz, um Nobel da Literatura e sem, pela primeira vez, uma única palavra.
6 comentários:
Não foi ela que publicou o primeiro livro aos 40? ainda tens 8 de avanço, estás à espera do quê? Tic-tac-tic-tac...
Olha que giro que isto está! Gostei do new look. Obrigado pelos vivas. Espero poder retribuir em breve :-)
Querida Ouriça,
Ao contrário dos outros comentários, cheios de profundidade e geralmente relacionados com a maravilhosa escrita da autora deste blog, este meu primeiro coment será completamente superficial e fútil - reparem como tento imprimir um caminho completamente novo - e serve para deixar bem claro que GOSTO MUITO MAIS deste visual. De tal maneira gostei da nova apresentação que decidi agraciar esta já vasta publicação "ouriçeira" com este grande bem haja ao look de outono e desta forma mandar umas quantas beijocas orgulhosas!!
F.
Quem não gosta se se sentir bonita(o)e incrivelmente fútil e livre? Hum?!
Belo visual! Adorei... tem tudo a ver contigo... aquelas bolinhas já não estavam com nada!
E o Nobel da Literatura...? É só persistires e quem sabe?! :D
Beijocas
Mas que mudança radical. Perdeste o ar institucional e certinho e revelaste o lado alucinado e criativo da coisa.
No fundo um blog é como uma casa: de vez em quando sabe bem mudar a mobília.
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