quinta-feira, janeiro 17, 2013

Em ponto pequeno


"(...)O "pequeno" para o português, é, na realidade, o que para os outros povos representa o "médio". É no meio dos pequenos objectos que ele se sente à vontade, é nele que investe enchendo a casa de mil bibelôs, fotografias, cobrindo as paredes com coisas pequenas, quadros, cromos etc.
O pequeno representa o tamanho perfeito, adequado ao seu investimento afectivo. Alvo electivo da sua ternura, tamanho-fétiche que apela ao seu caminho irreprimível, o "pequeno" contém em si as potencialidades de expressão que dele naturalmente decorrem e que depois se transferem para todos os adjectivos e nomes próprios: pequenino, pequenito, pequerrucho, etc. Como se "pequeno" fosse a raiz dos diminutivos afectivos, e a ausência que decorre do conjunto inteiro de nuances dos "inhos" e "itos" declinando as inúmeras espécies de pequenez.
O português revê-se no pequeno, vive no pequeno, abriga-se e reconforta-se no pequeno: pequenos prazeres, pequenos amores, pequenas viagens, pequenas ideias (...). Mais, a pulsão do pequeno, dá ensejo à formação de pequenos mundos afectivos em que as relações simbióticas se desenvolvem com  uma força extraordinária. O português habita numa espécie de bola de afecto que faz com que a separação mínima  de um ente querido pareça  enorme, longa e longínqua. Separar-se um dia, dois, uma semana ou mesmo umas horas pode suscitar uma dor imensa, uma imensa saudade.(...) Pequenos mundos: daí a visão curta, a repulsa institiva  pelos projectos a médio e longo prazo, a territorialização gregária (...).
A pequenez é a negação do excesso, e a nossa maneira de "estar certo" ou "ser certinho" - o nosso "justo meio". Finalmente, o ser pequeno é a estratégia portuguesa de permanecer inocente, continuando criança (...)."

"Portugal, hoje. O medo de existir", José Gil

Sem comentários: