Ele não se lembra. É um facto. Não o custa aceitar, nada está diagnosticado embora existam médicos altamente especialistas que, com um ar inteligente, adiantam a possibilidade de tudo ser atribuído à… velhice. Ele não se lembra, não está confuso, nem mudo, nem inseguro. Pura e simplesmente não se lembra. Há pistas que podiam ali conduzir por associação de imagens mas todos os labirintos do seu cérebro vão dar a um beco sem saída, todas as ideias encadeadas estão emparedadas por intransponíveis muros de betão. Ele pura e simplesmente não se lembra, disse, é simples, não me magoa, não o magoa porque esqueceu que esqueceu e, nisso, invejo-o. As culpas, divinas ou humanas, os egos e tudo o resto não são para aqui chamados. Ele não se lembra de mim, sua única neta, ele, meu único avô vivo. Sabe que sou filha da filha mas sempre que me vê apresenta-se, pergunta-me gentilmente o nome e diz sente-se. Conversamos sobre o tempo, a saúde, as notícias de ontem. Ele não se lembra. Olho-o longamente enquanto discursa, inevitavelmente (re) vivo o passado, ele retribui a atenção, devolve-me o olhar e aí sei estar certo que esqueceu o futuro.
2 comentários:
Exactamente como a minha tia. Sei tão bem o que isso é...
http://substante.blogspot.com/2006/03/minha-tia.html
Um dia um dos inteligentes, para se te escapar, diz-te que é Alzheimer. E pronto, julga que assim arruma o assunto.
Ai, jinhos!
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