Acabei de ver o Lobo Antunes. Entrou e sentou-se quase a meu lado. Partilhámos uma refeição. Senti-o respirar. Apoiou-se na cabeça várias vezes enquanto lia os jornais. Pesa-lhe o mundo. Pesam-lhe as memórias da guerra e todas as outras sobre as quais insistiu escrever. Está cansado o escritor. Está cansado de estar doente, do mundo estar doente, desse estado cosmicamente doentio. Está triste o escritor. Faltam-lhe aquelas palavras que não consegue encontrar, no meio de tantas outras, para o seu, teme, derradeiro livro. Sobreviveu a quase tudo, ao privilégio e à dureza, tem dúvidas se sobrevive a si. Indigna-se como o mundo contínua se, ali dentro, tudo está suspenso, pelo medo, pela incerteza. Tenta compensar o fim fictício do tabaco com mais jornais mas, malogrado esforço, não se consegue esquecer de si. Olha-me de soslaio, meio curioso, totalmente arrogante como lhe é característico. Mede-me para saber se caibo em alguma história, se sou parecida com alguma personagem. Pergunta-me se fumo. Finjo distracção e digo-lhe que não. Não me ajusto à sua narrativa concluiu. Mergulha de novo no mundo e em si e eu acarinho-o com o olhar enquanto pago a conta. O escritor retomou-se.
3 comentários:
A esta hora, algures, Lobo Antunes já escreveu:
"Hoje sentei-me ao lado da Ouriço-Cacheiro para almoçar. Olhou de soslaio mas evitou-me, disfarçando indiferença. Ainda meti conversa porém, desajeitadamente, apostei no despropositado tema do fumo. A Ouriço-Cacheiro não fuma e não consegui entrar naquele mundo criativo que se fechou atrás da refeição.
Pareceu-me leve, animada, como se não lhe pesasse o mundo que guarda nas suas página. Vou voltar um destes dias. Pode ser que a reencontre."
urso... estou sem palavras!
Excelente o texto e o comentário do urso polar:-).
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