sexta-feira, abril 27, 2007

Enfim sós!


Tropeço na solidão todos os dias. Várias vezes por dia. Não propriamente na minha. Tropeço na solidão da globalização. Nesta mega solidão grupal do anonimato, a do reflexo ténue no ecrã do computador, do i-pod, do telemóvel. Conquistámos o mundo, construímos o conceito de bem-estar. Criámos direitos fundamentais, cartas e acordos e protocolos internacionais recheados de direitos fundamentais. Consolidámos o bom senso. Mergulhámos na tecnologia, em formas limadas de cultura, teorizámos toda a política. Dissecámos todas as Eras da História. Há quem tenha mesmo declarado o seu fim. Descobrimos o Universo. Perdemo-nos uns dos outros. Achámos a solidão. Definitivamente.

Deixo aqui o meu poema preferido do Herberto Hélder. Para quem sabe que a solidão tem limites. Bem definidos.


Não sei como dizer-te que a minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e casta.

Não sei o que quer dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
_eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu ascético escuro e em turbilhão de um dia
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a minha cara ardesse pousada na noite.

E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.

Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
_ não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Herberto Hélder

1 comentário:

Nanny disse...

Quando apenas se tropeça nela e não se permite que ela nos assalte é muito bom.

É uma luta constante, que se faz de cada dia, de cada hora, de cada sentir, mas que tem de ser travada, para que se trave a solidão...

Beijo da gata para espantar a solidão