segunda-feira, outubro 28, 2013

quarta-feira, outubro 23, 2013

Gostar

Fernando Pessoa escreveu
gostava de gostar de gostar
eu gosto de gostar
tenho sorte


Adilia Lopes in Andar a pé, Averno, Lisboa, 2013.

segunda-feira, outubro 21, 2013

África minha

Escrevo-te de novo da selva. Numa clareira de tempo em que o gerador, e tudo o mais que permite escrever e-mails, funciona. Ainda não vi cobras nem chimpazés nem outras coisas que me lembro quando criança no Zimbabué. Só vi árvores imensas, densas, sem idade. Só vi cursos de água, tímidos ou dominando aldeias e suas tribos, só vi casas em ruinas, pagnes coloridos amarrando crianças às suas mães que trabalham incessantemente, só vi pés descalços, armas enferrujadas, estradas, acampamentos, vidas, tudo enlameado. Já quase me esqueci do deserto e da maresia, este cheiro húmido afoga-me a alma. Na verdade, acho que criei memórias falsas na minha infância, tudo me parece muito diferente do que sempre te descrevi com um entusiasmo, constato agora, exacerbado. Escrevo-te, contudo, porque há uma certeza surpreendente que me invadiu hoje: ias gostar muito mais disto que eu. Ias entender a linguagem gestual dos carregadores, trocarias cumplicidades fundadas num passado que não poderiam ter em comum. Dar-lhe-ias a nossa Coca-cola. Alguns homens evitariam falar com os teus olhos, por respeito ou por desprezo, mas isso nunca seria um entrave nas negociações, nas obrigações, nos pequenos gestos do quotidiano. Arranjarias outra maneira. Imagino que aprenderias puericultura indígena e provarias condimentos da culinária local para os quais ninguém ainda teve coragem. Talvez nós aqui, cheios de educação, de experiência internacional e de espirito colonialista devidamente amordaçado pela antropologia contemporânea, saibamos melhor lidar com jipes atolados, com computadores exaustos de calor e humidade, com répteis ou com os insectos contra os quais fomos (e não fomos) vacinados. Mas para lidar com as pessoas... Faltas cá tu.

quarta-feira, outubro 16, 2013

Não se pode morar nos olhos de um gato



Para encerrar as constatações de um dia importante como o de hoje.

desarrumação

Há palavras duras, áridas que guardo num canto visível, amarradas a memórias do passado e a impulsos combatidos no presente. Essas palavras entristecem-me, quando as olho, lembram-me as bocas, os gestos, o tom que deixaram para trás ao libertarem-se dos outros.Lembram-me o leito das veias descontroladas onde correram ou os icebergs onde foram hermeticamente conservadas.Lembram-me ainda o brilho dos olhos coléricos, maldosos, invejosos, egocêntricos, muitos por mim amados sem nunca terem podido retribuir nada mais que dias e dias idílicos, ficcionados nas histórias perfeitas que vou inventando sobre a minha vida. Essas palavras têm arestas, cortam como o papel, esmagam como cilindros de aço, esforçam-se para destruir os oásis que planto no deserto das más recordações. As de origem freudiana abandonei-as já no fundo do baú dos brinquedos de infância que sobraram quase intactos. As outras são da minha total responsabilidade, já não tenho desculpas para toda esta desarrumação.

terça-feira, outubro 15, 2013

De outro modo

Num dia em que um grupo de pessoas muito desastradas insiste em fazer bricolage e remendar Portugal, encontrei duas notícias peculiares que nos obrigam a pensar de outro modo:
A arte só tem valor quando é anunciada?
Há incompatibilidade entre o poder e a marmita?

A frase

Há anos que procurava a primeira frase para um romance. Encontrara várias, nunca couberam devidamente naquelas linhas que lhes havia reservado. Não a encontrar sempre fora a desculpa perfeita para não escrever o resto do romance que lhe sufocava a vida desde que nascera para o mundo das histórias. Há muito que tropeça em palavras que lhe barram saídas, se espalham pela casa, lhe desarrumam das gavetas, encostam-se a todos os cantos da sua vida e esperam a vez de serem usadas. Por vezes tornam-se demasiado reivindicativas as palavras, manifestam-se em conjunto ou isoladamente, fazem exigências, querem melhorar de vida, querem conquistar o mundo dos outros. Por isso, frequentemente, tapa os ouvidos, aliena-se em delirios académicos, em futilidades e em pequenos dramas diários. Contudo, agora, ali estava aquela frase, mesmo à sua frente. Ignorá-la seria apagar para sempre o seu maior sonho, ignorá-la seria transformar-se de vez na naquela pessoa que muitos julgam que é. Chegou a hora de avançar. De escrever aquela frase no inicio de si.

segunda-feira, outubro 14, 2013

Desenhar a infância perdida

Hoje, no jornal Público, a fabulosa história de Juan Zero, o carttonista sirio que se dedicou ao projecto de criar um estúdio perto de cada campo de refugiados para que se criem "ferramentas de comunicação diárias e directas com as crianças (...) apagando a cor do sangue dos seus olhos e diminuindo os sons da guerra na sua memória, numa tentativa de reactivar a infância perdida".

quinta-feira, outubro 10, 2013

Problema dentro


Um problema que não é, infelizmente, só meu dentro de um das minhas músicas preferidas, interpretada agora pela maravilhosa Sara Tavares.