quinta-feira, agosto 29, 2013

Uma cura



Ontem lembraram-me disto. Da intemporalidade da poesia e de como este senhor me ensinou a amá-la e a não esquecer que o humor refinado é um desafio, uma defesa, um tsunami, uma cura.

terça-feira, agosto 27, 2013

Sou da invencionática

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
 
Manoel de Barros

segunda-feira, agosto 26, 2013

Depende

A nossa capacidade de felicidade depende de um certo equilibrio entre o que a nossa infância nos recusou e aquilo que ela nos deu.
Jean-Paul Sartre

Lenda do Ouriço

A escrava Agar, quando Abrãao a expulsou da casa juntamente com Ismael, filho de ambos, partiu para o deserto com o coração destroçado. Um dia, quando morreu, o seu coração saiu do corpo: estava transformado num ouriço-cacheiro. Um coração cheio de espinhos para que ninguém o pudesse tocar. Ainda hoje, os nómadas do deserto de Neguev, descendentes de Ismael, acreditam que os ouriços-cacheiros nascem quando alguém sofre um desgosto de amor eterno.

Afonso Cruz, Enciclopédia da Estória Universal - Recolha de Alexandria, Ed. Alfaguara

sexta-feira, agosto 23, 2013

automaticamente

Tudo o que poderia ser mas não é. Mas se não é, não há nada a fazer. O condicional rasteira-lhe sempre os pensamentos. Impede-o de pensar clara e objectivamente. Se tivesse sido, hoje era. Mas não é. E projecta para o  futuro. Aventura-se. Ainda pode ser. Talvez, mas será sempre diferente. Logo não é. Será outra coisa, uma que ele desconhece. Uma outra coisa que ele não sabe se pode confiar. Um aperto, uma angústia. Um risco. Urge uma conclusão que pacifique. Se poderia ter sido e não foi é porque não era para ser. O refúgio neste oráculo oco em que não acredita. Um respirar fundo de conformação. Retoma com afinco a página que descreve um esplendoroso vinhedo junto ao Douro. Um alívio invade-lhe os pensamentos rasteirados que, exaustos, rendem-se a um precipício sem fim. Ao virar da próxima página a esperança apagar-se- à automaticamente.

tristeza


A minha tristeza
não é a do lavrador sem terra.

A minha tristeza
é a do astrónomo cego.

Mia Couto

proibido proibir

Ontem, finalmente, fui ver as "Paixões Proibidas" (Two mothers), um filme belo. Se fosse realizadora seguiria a linha da francesa Anne Fontane, se me transformasse numa directora de fotografia seriam estas as cores que daria ao ecrã, se fosse escritora este seria eleito um tema-fetiche. Baseado num conto de Doris Lessing - história verídica que lhe é relatada numa certa ocasião - este filme propõe que pensemos sobre o que é,  o que sempre foi, na verdade, uma familia, quais os nossos limites morais e éticos perante relações tão fortes que vão muito além das palavras. Um filme que agita e que embala.

segunda-feira, agosto 19, 2013

Nascer para ser árvore

Vale a pena sair de Lisboa por muitos e bons motivos, apesar de Agosto a tornar uma cidade encantadora. Sábado, num belo passeio para os lados de Cascais, vi a excelente exposição sobre Maria Keil patente na renovada e belissima Cidadela de Cascais. De bónus consegui ainda participar numa visita ao Palácio da Cidadela, um edificio surpreendente. A certa altura, aquando da breve explicação para um dos módulos da obra de Maria Keil, podia ler-se o seguinte:
"Quase sem querer propôs uma ética: cada personagem, cada um de nós, se estiver atento ao que o rodeia, nasce para ser árvore dançando no meio da praça".

segunda-feira, agosto 12, 2013

Taxi driver


Quando um primeiro ministro resolve ser condutor de taxi por um dia para ouvir mais de perto as queixas e sugestões do seu eleitorado. E se fosse em Portugal?